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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

De Mercedes

Ontem eu decidi parar de andar de carro. Não assim, deixar de andar de carro pra sempre... mas evitar sair sozinha no carro, contribuindo para aumentar o trânsito cada vez mais infernal dessa cidade. Além disso, nada melhor que um pesquisador que extrapola suas leituras e vai a campo. Pesquisar sobre a cidade e não vivê-la tira toda a credibilidade de um estudo. E a magia da coisa também :]

Pois bem, está aí lançado o desafio pra mim. Ou vou de carona, ou levo passageiros de carona, ou vou de ônibus, ou de bicicleta, ou a pé. Não vai ser fácil, tendo em vista que a gente sempre teve a facilidade do carro na família. Hoje mesmo saí decidida. Minha mãe perguntou se eu não queria que ela fosse me deixar na universidade. “Não”. Saí. E olhe que estava chovendo. Primeira tentação vencida.

Ao virar a esquina do meu quarteirão, qual a minha surpresa quando vejo o 66 já saindo, cruzando a Potiguares. Ótimo! Mais meia hora de espera, no mínimo. O ônibus chegou depois de 40 minutos. Dependendo do trânsito, eu poderia ter ido e voltado duas vezes da UFRN de carro. E é isso que acontece. Assim que as pessoas se estabelecem financeiramente e vêem a possibilidade de financiar um carro, migram do transporte público para o particular. Se eu tivesse contado o que fiz pra qualquer um ali no ônibus, teriam me chamado de louca. Ninguém está ali por ideologia: quem anda na precariedade do nosso transporte público, o faz por pura necessidade. Não os culpo. Tive vontade de voltar pra casa correndo e pedir o carro várias vezes.

Apesar de tudo, apesar de a rota ser mais demorada, apesar de ir em pé muitas vezes, eu adoro andar de ônibus. Quando ele não vem lotado, é uma delícia ir olhando as paisagens, e ouvir histórias, e observar pessoas. Hoje mesmo  tinha cada tipo! Um senhor pelos seus 40 anos, arrumado e de pasta na mão, reclamava do trânsito da Prudente que o atrasaria para o trabalho, embora isso não o incomodasse tanto, pois há anos trabalhava pro Estado e podia fazer seu horário. Havia um senhor, pelos 60, branquinho de olhos claros, calça comprida, camisa de botão, boina azul e chinelo de couro, que levava um monte de algodão doce pra vender - me senti num filme antigo! Só na descida vi que me enganava: quem levava o doce era um tatuado sentado bem ao seu lado. Logo que sentei, me veio um cheiro forte de cachaça: um bêbado dormia logo atrás de mim, apoiado no encosto da cadeira em que eu sentava. Me imaginei chegando na universidade melada de vômito e mudei de assento. Agora, atrás de mim, uma moça cantava baixinho. Na frente, um rapazinho com pinta de skatista segurava vários porta-chapéus e escutava um rap-comunidade.

Ao descer, ainda fui namorando todas as flores que brotaram com a chuva, em especial os montes de chananas – minhas preferidas! – que tomaram conta da cidade. E você, caro amigo que saiu de carro, observou o quê?

“Bonito na teoria, né, Camila? Mas, além de toda a precariedade do transporte, há ainda a insegurança. Andar de ônibus ao anoitecer, por exemplo, é perigosíssimo.” - dirá o senso comum. Certo, mas você sabe o porquê do perigo? É porque na sua rua não tem um buteco (com “U“ mesmo, que é pra ficar mais característico). Mas isso já é outro desvario, que merece outro texto só pra ele. Aqui, em breve.