Ontem eu decidi parar de andar de carro. Não assim, deixar de andar de carro pra sempre... mas evitar sair sozinha no carro, contribuindo para aumentar o trânsito cada vez mais infernal dessa cidade. Além disso, nada melhor que um pesquisador que extrapola suas leituras e vai a campo. Pesquisar sobre a cidade e não vivê-la tira toda a credibilidade de um estudo. E a magia da coisa também :]
Pois bem, está aí lançado o desafio pra mim. Ou vou de carona, ou levo passageiros de carona, ou vou de ônibus, ou de bicicleta, ou a pé. Não vai ser fácil, tendo em vista que a gente sempre teve a facilidade do carro na família. Hoje mesmo saí decidida. Minha mãe perguntou se eu não queria que ela fosse me deixar na universidade. “Não”. Saí. E olhe que estava chovendo. Primeira tentação vencida.
Ao virar a esquina do meu quarteirão, qual a minha surpresa quando vejo o 66 já saindo, cruzando a Potiguares. Ótimo! Mais meia hora de espera, no mínimo. O ônibus chegou depois de 40 minutos. Dependendo do trânsito, eu poderia ter ido e voltado duas vezes da UFRN de carro. E é isso que acontece. Assim que as pessoas se estabelecem financeiramente e vêem a possibilidade de financiar um carro, migram do transporte público para o particular. Se eu tivesse contado o que fiz pra qualquer um ali no ônibus, teriam me chamado de louca. Ninguém está ali por ideologia: quem anda na precariedade do nosso transporte público, o faz por pura necessidade. Não os culpo. Tive vontade de voltar pra casa correndo e pedir o carro várias vezes.
Apesar de tudo, apesar de a rota ser mais demorada, apesar de ir em pé muitas vezes, eu adoro andar de ônibus. Quando ele não vem lotado, é uma delícia ir olhando as paisagens, e ouvir histórias, e observar pessoas. Hoje mesmo tinha cada tipo! Um senhor pelos seus 40 anos, arrumado e de pasta na mão, reclamava do trânsito da Prudente que o atrasaria para o trabalho, embora isso não o incomodasse tanto, pois há anos trabalhava pro Estado e podia fazer seu horário. Havia um senhor, pelos 60, branquinho de olhos claros, calça comprida, camisa de botão, boina azul e chinelo de couro, que levava um monte de algodão doce pra vender - me senti num filme antigo! Só na descida vi que me enganava: quem levava o doce era um tatuado sentado bem ao seu lado. Logo que sentei, me veio um cheiro forte de cachaça: um bêbado dormia logo atrás de mim, apoiado no encosto da cadeira em que eu sentava. Me imaginei chegando na universidade melada de vômito e mudei de assento. Agora, atrás de mim, uma moça cantava baixinho. Na frente, um rapazinho com pinta de skatista segurava vários porta-chapéus e escutava um rap-comunidade.
Ao descer, ainda fui namorando todas as flores que brotaram com a chuva, em especial os montes de chananas – minhas preferidas! – que tomaram conta da cidade. E você, caro amigo que saiu de carro, observou o quê?
“Bonito na teoria, né, Camila? Mas, além de toda a precariedade do transporte, há ainda a insegurança. Andar de ônibus ao anoitecer, por exemplo, é perigosíssimo.” - dirá o senso comum. Certo, mas você sabe o porquê do perigo? É porque na sua rua não tem um buteco (com “U“ mesmo, que é pra ficar mais característico). Mas isso já é outro desvario, que merece outro texto só pra ele. Aqui, em breve.