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sábado, 20 de novembro de 2010

Frustração

Acordou às seis para ir ao trabalho. Como sempre fazia, vestiu seu macacão bege, entrou no carro e ligou o rádio. O locutor entrevistava um político importante da região. Mudou de estação. O noticiário anunciava uma enchente numa grande cidade. Mudou de estação. Uma voz feminina dava a previsão do tempo para todo o país. Mudou de estação. Dois especialistas discutiam economia fervorosamente. Desligou o rádio. Todo dia era a mesma coisa, em todas as estações as pessoas simplesmente falavam e falavam, e aquele homem sentia falta de alguma coisa, mas não sabia de quê. Decidiu ir prestando atenção na paisagem.

Morreu de tédio.

Todas as construções em seu caminho eram iguais. Casas geminadas de porta e janela de madeira, paredes pintadas de branco e telha colonial na cobertura de duas águas. Quando não eram essas casas, havia prédios de 4 ou 6 andares, quadradinhos, sobre pilotis, com platibanda e também de cor branca. E havia os galpões cinza de telha de fibrocimento de pilares e vigas de concreto, onde as pessoas trabalhavam.Uma árvore ou outra aparecia solta no meio do trajeto. O homem vislumbrou que algo poderia ser diferente naquele caminho, mas não sabia como.

Chegou ao seu galpão de trabalho. Sentou em frente ao seu computador e começou a preencher as planilhas que deveria entregar ao final do dia. Perdido nos números e cálculos, algo lhe tira a concentração. Por que aquela mulher que serve o café sempre faz isso com ele? Hoje ele mal conseguia se conter quando ela veio se aproximando mais linda do que em todos os dias em que a havia visto. Queria dizer algo para ela, algo que fosse condizente com o que ele sentia. Pegou um papel e uma caneta. Mas nada saiu. Ele tinha certeza de que havia algo que poderia ser escrito, porém o papel continuou em branco. Ela serviu o café e ele apenas sorriu um sorriso amarelo cheio de frustração.

Ao fim do expediente, amargurado com alguma coisa que ele não sabia o quê, decidiu ir ao bar. Pediu a cachaça mais forte e bebeu sozinho, pensando na imagem daquela mulher. Pensou que queria registrá-la de alguma maneira que não fosse apenas em seu pensamento. Mas não havia fotografia e nunca se ouviu falar em pintura ou escultura. Queria chamá-la pra um primeiro encontro, mas não existia cinema ou uma peça de teatro em cartaz. Queria expressar todo seu sentimento de alguma maneira, mas não havia música ou literatura. Queria se mover junto a ela, mas não havia dança. E de repente, naquele bar sem música e naquela cidade sem arquitetura, a inquietude começou a tomar conta do corpo do homem, se espalhando por todos os lados até que ele, literalmente, explodiu. Seus pedacinhos voaram por todos os lados. E eu diria que ele teve muita sorte, pois deveria ser um castigo viver nesse mundo em que ninguém pode se expressar de maneiras diferentes. Esse homem não sabia, mas lá no fundo ele era apenas um artista frustrado que, vejam quão paradoxal, jamais conheceu a arte.

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O texto não justificado dá menos preguiça de ler?

1 comentários:

Ana Luiza Rodrigues disse...

Por um momento, lendo o último parágrafo, pensei que o som da vitrola do bar poderia estar tocando uma versão musical do poema `E agora, José?` - não sobrara nada ao homem!

E o fim onírico me fez pensar que, afinal, escrever é mesmo o máximo! Em que mundo, senão o da literatura, podemos fazer o protagonista literalmente explodir no final?